Tudo e perfeito
Deus é uma substância intemporal com um número infinito de atributos, incluindo a amplitude e o pensamento. A liberdade é reconhecer a necessidade da substância (Deus) e de a consentir. A ética implica a liberdade. Para se tornar verdadeiramente livre, o homem deve reconhecer que tudo está necessariamente fundado em Deus e seguir de bom grado o curso do mundo determinado por Deus. A evidência tem um carácter constringente. Deus é eterno, é quem é, é tudo o que é. Deus é a causa imanente de todas as coisas.
“Por “realidade” e “perfeição” quero dizer a mesma coisa." Tudo no mundo é necessário. O bem é o necessário; o mal é o impossível Diabo e o inferno são quimeras incompatíveis com a bondade e a justiça de Deus. Caso contrário, Deus teria de consentir que o mal, agitado pelo Diabo, ficasse impune.
A distinção entre o bem e o mal vem da relatividade do nosso ponto de vista. Do ponto de vista de Deus, para aqueles que compreendem a necessidade divina, só existe a perfeição. O que há de mais belo é o amor intelectual de Deus. "Intelectual" porque se trata de compreender a necessidade divina, e "amor" porque, uma vez compreendida essa necessidade, quer-se coincidir com ela e reconhecer-se nela.
Espinoza 1632-1677
Baruch Espinoza, nascido a 24 de novembro 1632 a Amesterdão, falecido a 21 fevereiro 1677 em La Haye, é um filósofo holandês de origem sefardita portuguesa. Ele ocupa um lugar importante na história da filosofia. O seu raciocínio, pertencendo à corrente dos modernos racionalistas, teve uma influência considerável sobre os seus contemporâneos e de numerosos pensadores ulteriores.
Sobre a leitura
“Talvez não haja dias da nossa infância que não tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensávamos que seriam sem vida, aqueles que passamos com um livro favorito. Tudo o que parecia preenchê-los para o bem dos outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: Um jogo para o qual um amigo nos vinha buscar no momento mais interessante, a abelha ou os raios solares embaraçantes que nos forçavam a levantar os olhos da pagina ou a mudar de lugar, as provisões do lanche que nos tinham sido trazidas e que nós deixávamos ao nosso lado sobre o banco, sem lhe tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuía de força no céu azul, o jantar para o qual tínhamos de ir para casa, quando só pensávamos em subir as escadas para terminar, logo a seguir, o interrompido capitulo, tudo isso, cuja leitura deveria nos ter impedido de perceber qualquer coisa que não fosse a inoportunidade, ela gravava ao contrario em nós uma recordação de tal maneira doce (muito mais preciosa ao nosso julgamento atual, que o que nós líamos então com tanto amor) que se ainda hoje acontece de folhear esses livros de outro tempo não é somente como simples calendários que nós tínhamos guardado durante dias escondidos, com a esperança de ver refletidos sobre as suas paginas as casas e lagoas que já não existe”.
Marclel Proust. 1988
Marcel Proust, nascido em 10 de Julho 1871 a Paris e falecido em 18 de Novembro 1922, é um escritor francês, cuja obra principal é «A procura do tempo perdido”, publicada entre 1913 e 1927.
UM NATAL CRISTÃO
Na antiguidade, o nascimento do Sol Invictus (sol vencedor) foi comemorado em 25 de Dezembro no culto de Mitra, como o dia do nascimento de esta divindade solar. Este culto inspirou os romanos e o Imperador Aureliano que queria criar uma festa considerada como 'pagã' chamada Dies Natalis Solis Invicti, reconhecida como a vitória da luz sobre as Trevas. Esse sol que retoma as suas forças para que o dia se sobreponha à noite dando assim à criação um novo ciclo de Vida. Para os cristãos também era importante celebrar essa Luz que invadiu as trevas como uma demonstração de um renascimento do espírito humano de novo iluminado. Em todo o mundo cristão, esta festa dedicada ao renascimento da Luz toma o lugar da festa que se praticava anteriormente.
As lendas aparecem e querem que segundo a tradição o Pai Natal (Natalis) siga em direção de todos os horizontes possíveis com o fim de distribuir os presentes destinados às crianças e adultos que não o mereceram forçosamente mas que ele gratifica dado o seu coração magnânimo. Em certas regiões esse Pai Natal é Nicolau que não mistura a distribuição de presentes com a festa do nascimento de Jesus que deve ser unicamente a festa da Família Então Nicolau vem à volta de 6 de Dezembro, bem antes do Natal, trazer as prendas e todos lhe fazem uma grande festa. Sobretudo é uma festa importante para os pequenos visto que graças a ela eles esperam enfim receber os brinquedos e ver que Nicola não os esqueceu ou que o seu companheiro o Pai Castigador não o vai impedir de lhes dar o que eles esperam.
Segundo a lenda, três crianças foram colher algumas sementes nos campos, mas quando voltaram se perderam pelo caminho. A noite, vindo rapidamente nesta época do ano, eles são atraídos pela luz que filtra através das janelas de uma casa. Eles vão bater à porta e são recebidos por um homem chamado Pierre Lenoir, um pobre cortador de carne. Ele aceita em os hospedar durante a noite, mas uma vez que as crianças entram na casa ele mata-os. Usando uma grande faca corta-os em pedaços pequenos e mete-os na sua salgadeira, grande barril cheio de sal, para salgar. Nicolau, um santo homem, que estava de passagem com o seu burro, bate também à porta do cortador e pede asilo para a noite. Pierre Lenoir não ousa recusar e convida-o para jantar. O seu convidado pede-lhe então para ele lhe cozinhar um pouco de carne salgada e o cortador, se apercebe que está descoberto e confessa os seus crimes. O santo homem coloca então três dedos por cima da salgadeira, faz reviver reconstruindo as três crianças. Nicolau prende o cortador ao seu burro e leva-o para o castigar mas decide de o guardar ao seu serviço para o vigiar.
Pierre Lenoir, o cortador, com o seu carácter violento e irascível, traz com ele um chicote e um saco para castigar as crianças e se torna o símbolo do Pai Castigador, um ser ruim que castiga as crianças que não se comportam como devem e são desobedientes. Às crianças que não se comportam bem ele ameaça-as de lhes bater com o seu chicote ou de os meter no seu saco. Vestido de preto, escondido sob uma capa e uma espessa barba negra, ele vai acompanhar Nicolau contrastando com este homem santo, que está vestido com roupas coloridas e uma barba branca. Nicolau, dá a imagem de uma pessoa amável, que se move com um cajado branco como um patriarca perto de seus filhos. Mas cuidado com o Pai Castigador que as crianças temem ao ponto que durante o ano os pais dos pequenos lhes dizem que se eles não se portam bem eles o dirão ao Pai castigador e os filhos não terão brinquedos. No entanto, no fim da festa não haverá grandes problemas e as crianças voltando a casa encontrarão os brinquedos tão esperados nos sapatos que eles tinham deixado ao pé da árvore que tradicionalmente representa um país distante, de onde vem o santo homem Nicolau.
Alguns dias depois chega o Natal que comemora o nascimento de Jesus, esta Luz que deve invadir as Trevas a partir da noite do 24 de Dezembro. Nessa noite, como um tributo de homenagem, homens e mulheres se encontram na Praça da aldeia, para reconstituir de uma maneira vivente, o momento do nascimento de Jesus. Acompanhados de animais e vestidos como na época antiga, eles compõem esse momento inesquecível que teve lugar há milhares de anos atrás. Nessa praça é construído tudo o que foi o ambiente do estábulo onde Maria e José se abrigaram. Nessa noite do 24 de Dezembro depois de uma refeição frugal a maior parte das famílias da aldeia ou das proximidades vêm pela sua presença participar a este inesquecível momento, com um sorriso nos lábios, como se uma cumplicidade tenha sido estabelecida entre todos para aceitar com respeito este momento irreal. Face a esta humildade demonstrada todos se sentem como fazendo parte desse momento que passa e se reconfortam, lendo a grande faixa escrita, que flutua ligeiramente sob a brisa da noite estas letras:
"Amai-vos uns aos outros".
Voltando para casa, mantendo religiosamente o silêncio das suas impressões, eles vão dormir. No dia seguinte é a Festa da Família, onde se encontram todos, ao meio-dia para comemorar na alegria, uma boa refeição. Esta homenagem cristã do acontecimento da Luz que anima todas as esperanças de uma Vida mais bela no ano que vai chegar. Eles terminam esta refeição de Festa com um profundo sentimento de amor, lembrando as palavras que Jesus tinha dito durante a sua última refeição com os seus discípulos:
"Sempre que o fizerem, que seja em memória de mim”.
Joaquim dos Santos Dionisio
Dezembro 2022
A ética de Aristóteles
Se um homem sabe o que é justo de fazer, ele não tem necessidade de uma razão formal. E uma pessoa que está assim formada, ou elas detêm já os primeiros princípios, ou ela pode facilmente adquiri-los. Quanto aquele que não os detêm ou não os pode adquirir, que ele tome no seu coração as palavras de Hesíodo;
“Ele é o melhor de todos aqueles que pensam por eles mesmos em todas as circunstâncias. Ele também é bom, ele que toma conselho junto de uma pessoa mais avisada. Mas aquele que não pensa por ele mesmo, que não tem a vontade de praticar a sensatez de um outro, é um homem inútil (Livro1, capitulo II)
Ora, os homens parecem, o que não é sem razão, formar as suas noções do bem supremo e da felicidade a partir da vida dos homens. A maioria da humanidade e das gentes que têm falta de refinamento o concebem como um prazer, e aprovam uma vida de prazer sensual. (Livro 1 Capitulo III).
Existem três linhas de vida que se destacam de uma maneira evidente: A vida de prazer, a vida política e a vida de reflexão.
…As pessoas refinadas e activas, a contrário, preferem a honra, que, eu suponho, pode ser considerado como o fim da vida politica. No entanto, a honra é manifestamente muito superficial para ser objecto da nossa busca, visto que ela parece depender mais daqueles que dão que daqueles que recebem, enquanto nós sentimos instintivamente que o bem deve ser qualquer coisa de próprio ao homem, que não lhe pode ser facilmente retirado. (Livro 1 Capitulo III)
Os homens parecem procurar a honra a fim de poder se acreditar bons. Em consequência, eles procuram ser honrados pelos sábios, e por aqueles que os conhecem bem, e sobre o plano da virtude; Elle é então claro que segundo a sua opinião, em todo o caso, a virtude é superior à honra. Talvez seja necessário de dizer que a virtude mais que a honra é o fim da vida politica; Portanto, mesmo a virtude é manifestamente imperfeita demais: dado que parece que um homem possa ter todas as virtudes e no entanto estar adormecido, ou não conseguir fazer o que quer que seja da sua vida; Par mais uma tal pessoa pode sofrer os maiores males e infortúnios. E ninguém, nesse caso, chamaria um homem que passou a sua vida desta maneira feliz, salvo para as necessidades da argumentação. (Livro 1 capitulo III)
O terceiro tipo de vida é a vida de contemplação (Livro 1 capítulo III)
Quanto à vida de ganhar dinheiro, ela é uma vida de restrição, e a riqueza não é manifestamente o bem que nós buscamos, dado que ela não é útil que como meio para outras coisas, e por essa razão há menos que dizer sobre ela que para os fins mencionados precedentemente, que são, em todo o caso, desejados para o seu próprio fim. (Livro 1 capitulo III)
Mais vale talvez melhor examinar em seguida o bem universal, e se interrogar em que sentido a expressão é utilizada. Se bem que um tal inquérito seja susceptível de ser difícil, dado que as pessoas que introduziram essas ideias são nossos amigos. Mas ela parecera a melhor, e mesmo a boa, ao menos para a preservação da verdade, de se desembaraçar dos sentimentos privados, tanto mais que nós somos filósofos; Visto que os dois nos são caros, nós somos tidos de preferir a verdade. (Livro 1 capitulo III)
Uma pessoa poderia também legitimamente duvidar do que ela entende por « absoluto » tal ou tal outro, pois que, como ela o permitiria ela mesmo, o recito da humanidade é um e o mesmo no homem absoluto, e em cada homem individual: dado que na medida em que o indivíduo e o homem absoluto são os dois homens, Eles não se diferenciarão: e se é o caso, então o bem essencial e todo o bem particular ne se diferenciarão, na medida em que os dois são bons. Também não chegará de dizer que a eternidade do bem absoluto ou torna melhor; visto que uma coisa branca que durou branca tanto tempo, não é mais branca que aquela que não dura que um dia. (Livro 1 capitulo III)
Aristóteles (Vol. I (Livro I, Capitulo III))
(Texto integral, traduzido por Arthur L Humphreys, 1902)
A ética de Aristóteles (1)
Toda a arte, todo sistema e da mesma maneira cada ação e cada motivo, visão, pensamos, um certo bem; Por essa razão, uma descrição comum e nada má do bem “é isso para onde todas as coisas tendem”.
...Mas é claro que há uma diferença nos fins propostos: visto que em certos casos, são atividades, e noutros os resultados além das simples atividades, e desde que há certos fins além e ao lado das ações, os resultados são naturalmente superiores às atividades. Desde já, como existem numerosos tipos de ações e numerosas artes e ciências, segue-se que os fins são igualmente diversos. Assim, o fim da arte de curar é a saúde, a construção naval, é a vitória estratégica, a riqueza econômica.
...Se, então, no domínio da ação, há um fim que nós desejamos por ele mesmo, e pelo qual nós desejamos todo o resto; E se nos não escolhemos cada coisa em lugar de uma outra, dado que isso continuaria, sem limites, e o nosso desejo seria vão e fútil, é claro que isso deve ser o bem supremo, e a melhor coisa de todas.
…E seguramente saber o que é o bem, é de uma grande importância para a conduta da vida, visto que nesse caso nos somos como os arqueiros tirando sobre uma marca designada, mais susceptíveis de fazer o que é justo. Mas si é esse o caso, nós devemos tentar de compreender, aos menos nas sua grandes linhas, o que é e às quais das ciências elas pertencem.
…Talvez deveríamos nós então começar pelos feitos que nós conhecemos por uma experiencia individual. É então necessário que a pessoa que deva estudar, com uma sorte tolerável de proveito, os princípios da nobreza e da justiça e a política em geral, tenha recebido uma boa formação moral
Aristóteles (Vol. I (Bk. I, Ch. II))
(Texto intégral, traduzido por Arthur L Humphreys, 1902
A libertação pagã
“Não é somente o homem que é preciso libertar, é toda a terra… a maestria da terra e das forças da terra, é um sonho burguês dos dirigentes das novas sociedades. É preciso libertar a terra e o homem para que este último possa viver a sua vida de liberdade sobre uma terra de libertado […] Esse campo não pertence a ninguém. Eu não quero esse campo; eu quero viver com esse campo e que esse campo viva comigo, que ele desfrute sob o vento o sol e a chuva, e que nos estejamos de acordo. Eis aí a grande libertação pagã.”
Jean GIONO (1895-1970)
Escritor francês. Inspirado pela sua imaginação e as sua visões da Grécia Antiga, a sua obra romanesca tem um âmbito universal. Ela retrata a condição do homem no mundo, face às questões morais e metafisicas.
A liberdade e o lei morale
« supúnhamos que alguém afirma, falando da sua inclinação para o prazer, que lhe é completamente impossível de resistir quando se apresenta o ser amado e a ocasião: se, à frente da casa onde ele encontra essa ocasião, uma forca estava instalada para o ligar logo a seguir, desde que ele teria satisfeito a sua paixão, não triunfaria ele da sua inclinação?
Não precisamos de procurar muito tempo o que ele responderia. Mas perguntai-lhe se, no caso em que o seu príncipe lhe ordenava, em o ameaçando de uma morte imediata, de fazer um falso testemunho contra um homem honesto que ele gostaria de perder sob um pretexto plausível, ele teria como possível de vencer o seu amor pela vida, tão grande que ele pudesse ser. Ele não ousará talvez assegurar que ele o faria ou que ele não o faria, mas ele concedera sem hesitar que isso lhe é possível.
Ele julga então que ele pode fazer uma coisa porque ele tem consciência que ele deve faze-lo e ele reconhece assim nele a liberdade que, sem a lei moral, lhe seria desconhecida.”
Emmanuel Kant, 1724 / 1804
Estar bem...
“estar bem sozinho, estar só e feliz, isso não tem nada que ver com um desprezo dos humanos nem com o egocentrismo: é o sinal de uma clara liberdade. A maturidade começa desde que um indivíduo se sente autor e responsável da sua existência, desde que ele não pede aos outros de o tornar feliz, desde que ele não acusa sistematicamente os outros das sua próprias fraquezas e deficiências…não te julgues feliz que no dia em que todas as tuas alegrias nascerão de ti.”
Séneca (Lucius Annaeus Seneca), dito Séneca o Jovem, nascido em Córdoba, entre 4 anos AC. e o ano 1 após J.C. e morreu em 65 após J.C., era um filosofo da escola estóica e um dramaturgo.
As Palavras dos Segredos
Verdade sem mentira, certo e muito verdadeiro.
O que está em baixo é como o que está em cima. E o que está em cima é como o que está em baixo, para realizar os milagres de uma só coisa.
E da mesma maneira todas as coisas procedem de uma só, pela mediação de uma só. Assim todas as coisas nasceram dessa coisa única, por adaptação.
O seu pai é o Sol, a sua mãe a Lua. O vento a trouxe no seu seio. A terra a alimenta.
Eis aí o pai de todo o telesma (o perfeito) do mundo inteiro. A sua força está inteira, se ela é transformada na terra. Tu separaras a terra do fogo, o subtil do grosseiro, lentamente, com grande engenho.
Ele sobe da terra ao céu, e volta à terra, e recebe a força das coisas de cima e das de baixo. Assim, tu terás a glória do mundo inteiro. E é por isso que toda a obscuridade te fugira. Eis aí a energia forte de todas as energias, que vencera todas as coisas subtis e penetrará todas as coisas sólidas.
Assim foi criado o mundo. Eis assim como serão as adaptações admiráveis, donde aqui está a maneira.
É por isso que me chamo Hermes, o Três Vezes Grande, possuidor das três partes da filosofia do mundo inteiro. O que disse da operação do Sol está terminado.
Hermes, (A Tábua de Esmeralda)
Discurso de Victor HUGO na Assembleia Nacional
“Um dia virá onde vós França, vós Rússia, vós Itália, vós Inglaterra, vós Alemanha, vós todas, as nações do continente, sem perder as vossas qualidades distintas e vossa gloriosa individualidade, vos fundireis estreitamente numa unidade superior, e vós constituireis a fraternidade europeia, absolutamente como a Normandia, a Bretanha, a Borgonha, a Lorena, a Alsácia, todas as nossas províncias, que se fundiram na França. Um dia virá que não haverá de outros campos de batalha que os mercados se abrindo ao comercio e os espíritos se abrindo às ideias. Um dia virá em que as balas e as bombas serão substituídas pelos votos, pelo sufrágio universal dos povos, pela venerável mediação de um grande Senado soberano que será à Europa o que o parlamento é à Inglaterra, o que a Assembleia é à Alemanha, o que a Assembleia legislativa é à França!”
(Victor Hugo 1849)
Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755), Primeira parte.
“Não vejo em cada animal que uma maquina engenhoso, a quem a natureza deu os sentidos necessários para se restruturar ela mesmo, e para se garantir, até um certo ponto, de tudo o que tem tendência a destrui-lo, ou a perturba-lo. Apercebo precisamente as mesmas coisas na maquina humana, com a diferença que a natureza sozinha faz tudo nas operações do animal, enquanto o homem recorre às suas, em qualidade de agente livre. Um escolhe ou rejeita por instinto, e o outro por um acto de liberdade; o que faz que o animal não se pode desviar da regra que lhe está prescrita, mesmo quando lhe seria avantajoso de o fazer, e que o homem se desvia muitas vezes dela a seu prejuízo. É assim que um pombo morre de fome perto de uma bacia com as melhores carnes, e um gato sobre uma quantidade de frutas ou de grãos, que um e outro poderiam bem comer os alimentos que eles desdenham, se eles estivessem avisados de o tentar; é assim que os homens dissolutos se livram aos excessos que lhe causam a febre e a morte; pois que o espírito corrompe os sentidos, e que a vontade se manifesta ainda quando a natureza guarda silencio.”
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
A Intuição
«Coisa singular, é no interior de si mesmo que se deve ver o que está fora” escreve Victor HUGO
Visão interior
«Vós estais por vezes dobrados sobre vos mesmo, mergulhando os vossos olhos no vosso próprio mistério, pensando e sondando? Que viu você? Uma imensidade. Uma imensidade, negra para alguns, serena para alguns outros, turvada para a maior parte. Quase todos os pensadores que se recolhem e meditam percebem-no em si mesmo - quer dizer no universo, o homem sendo um microcosmo – uma espécie de vazio em primeiro lugar terrível, todas as hipóteses das filosofias e das religiões sobrepostas como uma abóbada de sombra, a casualidade, a substancia, a essência, a cúpula informe da abstracção, pórticos misteriosos abertos sobre o infinito, no fundo, uma pálida luz. Pouco a pouco, traços lineares se desenham nessa bruma, promontórios aparecem nesse oceano, firmezas se levantam das profundidades; uma espécie de afirmação se destaca lentamente desse abismo e dessa vertigem. O fenómeno da visão interior é a intuição.
A intuição investiga o interior
A intuição é em relação à razão o que a consciência é em relação à virtude: o guia escondido, o iluminador subterrâneo, o avisador desconhecido, mas ao corrente, a vigia sobre o cimo escuro. Aí onde o raciocínio pára, a intuição continua. O escarpamento das conjecturas não a intimida. Ela tem a certeza nela como o pássaro. Ela abre as suas asas e voa e plana majestosamente por cima desse precipício, o possível. Ela está à vontade no insondável; ela vai e vem; ela se dilata; ela vive. O seu aparelho respiratório está limpo até ao infinito. Por vezes ela se abate sobre um grande cimo, pára e contempla. Ela vê no interior.
O raciocínio vulgar rampa sobre as superfícies; a intuição explora e investiga por baixo.
A intuição como a consciência, é feita de clareza directa; ela vem de mais longe que o homem; ela vai além do homem; ela está no homem e no mistério; o que ela tem de indefinido acaba sempre por chegar. O prolongamento da intuição, é Deus. E por que ela é sobre humana é necessário acreditar nela; é por que ela é misteriosa que é necessário escuta-la; é por que ela parece obscura que ela é luminosa.”
Victor HUGO
Aventura indiana
Pitágoras, numa das suas viagens às Índias, aprendeu, como toda a gente sabe, na escola dos gimnosofistas, a linguagem dos animais e das plantas. Passeando um dia numa planície perto das margens do mar, ele ouviu estas palavras: “Como sou infeliz de ter nascido erva! Apenas consigo chegar a duas polegadas de altura que aparece um monstro devorante, um animal horrível, que me pisa com os seus largos pés; a sua goela é armada de uma enfiada de foices cortantes, com a qual ele me corta, me rasga e me engole. Os homens chamam esse monstro, carneiro. Não creio que haja no mundo mais abominável criatura. »
Pitágoras, avança alguns passos; encontra uma ostra que bocejava sobre um pequeno rochedo; ele ainda não tinha cingido essa admirável lei pela qual é proibido de comer os animais que são nossos semelhantes. Ele ia para devorar a ostra, quando ela pronuncia estas palavras enternecedoras: “Oh natureza! Que a erva, que é como eu a tua obra, é feliz! Quando ela é cortada, ela renasce, ela é imortal; e nós pobres ostras, em vão nós somos protegidas por uma dupla carcaça; os malvados que nos comem às dúzias, durante o almoço deles, o fazem definitivamente. Que monstruoso destino é o de ser uma ostra, e que os homens sejam bárbaros!”
Pitágoras, estremeceu; ele sentiu a enormidade do crime que ia cometer: chorando, ele pede perdão à ostra e mete-a bem instalada sobre o rochedo dela. Pensando profundamente a esta aventura e voltando à vila, ele viu aranhas que comiam moscas, as andorinhas que comiam as aranhas, os gaviões que comiam as andorinhas. “Todos esses seres, não são filósofos.”
Pitágoras, chegando, foi ofendido, empurrado, tombado por uma multidão de mendigos que corriam gritando: “É bem feito, é bem feito, eles o mereceram! – Quem? O quê? Diz Pitágoras se levantando; essas gentes corriam sempre dizendo: “Ah! Que nós teremos prazer em os ver cozer!”
« Pitágoras acreditou que eles falavam de lentilhas ou de quaisquer outros legumes ; nada disso, eles falavam de dois pobres Índios. “Ah! Sem dúvida, diz Pitágoras, são dois grandes filósofos que estão fartos da vida; eles serão bem contentes de renascer sob uma outra forma; há prazer a mudar de casa, mesmo se estamos sempre mal instalados; não se devem criticar os gostos.”
Ele avança com a multidão até à praça publica, e foi lá que ele viu um grande fogueira cessa, e à frente dessa fogueira um banco chamado tribunal, e sobre esse banco juízes, e esses juízes tinham todos um rabo de vaca na mão, e tinham sobre a cabeça um boné parecendo perfeitamente às duas orelhas do animal que usa Silene quando veio outrora ao país com Bacus, depois de ter atravessado o mar de Eritreia a seco, e de ter parado o Sol e a Lua, como se conta fielmente na Orphiques.
Havia entre esses juízes um honesto homem bem conhecido de Pitágoras. O sábio das Índias explica ao sábio de Samos do que se tratava na festa que iam dar ao povo índio. “Os dois índios, diz ele, não têm vontade nenhuma de serem queimados; os meus graves confrades os condenaram a esse suplício, um por ter dito que a substancia de Xaca não é a substancia de Brama; e o outro, por ter suposto que era possível agradar ao Ser supremo pela virtude, sem se ter ao morrer uma vaca pelo rabo; visto, dizia ele, que pode-se ser virtuoso todo o tempo mas nem sempre se encontra uma vaca oportunamente. As mulheres da vila foram de tal maneira espantadas com essas duas proposições heréticas que não deixaram repousar os juízes até que eles tenham ordenado o suplício desses dois infortunados.”
Pitágoras pensa que desde a erva até ao homem há bastantes sujeitos de pena. Ele fez no entanto entender razão aos juízes, e mesmo aos devotos; e o que não aconteceu unicamente esta vez.
Em seguida ele foi pregar a tolerância a Crotona; mas um intolerante meteu o fogo à sua casa: ele foi queimado, ele que tinha tirado dois índios das chamas. Salve-se quem puder!
Fim da Aventura Indiana
Conto de Voltaire (1766)
Data da última actualização: 19/11/2023